samedi 6 septembre 2008





Ultima carta de amor de Inez a Pedro

Pedro, hoje dispo-me à nascente da fonte e ouço o melro
enrolar o seu canto na força desobediente do rio.
Como ele corre lambendo o flanco das margens.
Agudo o grito do pavao branco que se passeia por perto.
Estranha a beleza que em envolve nesse instante.
Parece-me ver tudo descolado do mundo.
Uma poesia escandalosa nua e obscena na sua cruel beleza.
Vivo agora e posso morrer jà, tanto este mistério me é favoràvel
e se conjuga à desordem que anima o meu sentir.
Nseta hora de exaltaçao pura, nao chamo por ninguém.
Nem por ti, mesmo que saiba onde vives e esperas.
Nao consinto que neste momentode irrealidade,
e profundo amor por tudo o que vive e me està proximo da mao,
venha a tua dùvida perturbar-me a mente.
Estou nua e viva e nao penso em nada.
Esta brisa é fresca e cortante, a pele enrija os dentes juntam-se,
cerro os punhos, se que devo guardar tudo,
mesmo os gestos mais bruscos e doridos.
Muros, ruinas e musgos frescos na sombra.
Ah se fôr hoje o dia da traiçao e do punhal,
saberei dizer à minha carne que nao sou corrupta como ela.
Estou a inchar de medo neste amor profundo, como um ventre
doente e dorido.
Tenho na pele escrita por dentro o teu nome pintado.
Como a santa limpando o nome do Senhor,
avanças-te o linho
que me era a carne, e por dentro, por dentro limpaste
o rastro frio do teu coraçao.
Foi como naquela ultima noite em ti,
onde através das tuas palpebras
eu via o teu sonho, e as flores eram o orvalho juntinho
como pérolas e bùzios, tanta imaginaçao
me dava febre e a tua mao na minha eu nem respirava.
Beijava-te os dedos um a um e recomeçava
contando até mil, para que a noite fosse mais longa.
Punha-me a fechar os olos e a pedir a Deus
que voltasse ao inicio do mundo para te puder esperar.
Jà é outra vez manha para todos nos,
devo-me vestir, tratar dos que me rodeiam,
voltar a ser outra e sem vontade.
Junto a eles rezo coisas sem nexo e o amor é tanto
que o sorriso me acolhe na sua boca oferecida,
encontro toda a leveza do meu pecado.
Lavo neste rio os braços e as maos que te rodeiam
quando neles te enrolas.
Deixo-os assim ao gelo, redondos e suspensos,
quero oferecer a coroa deste corpo
a um ausente, e até que a dor se desvaneça,
sem ter ninguém para me reter.
Tenho frio, o que vim eu aqui fazer nesta manha violeta
ainda por desabrochar?
Entre estrume lirios piso serpentes e o veneno triste sobe-me pelas veias.
Ouço o sino da capelinha a ressoar, abre-se o arvoredo às minhas maos.
Se fugisse agora virias ao meu encontro?
Descer por ai abaixo como as cartas de amor,
que escorregam até ao refùgio amigo da rocha.
Ou serai melhor deixar-me afogar?
Se quiseres saber o que me leva a ficar injustamente perseguida
e imovél vais ter de ter paciência e guardar os olhos postos na eternidade.

Inez, Paris 20 de Maio de 2004.

1 commentaire:

Graça Pires a dit…

Lídia, encantada estou eu com as cartas de Inês a Pedro. Lindíssima esta carta. Lindíssima esta ideia.
Obrigada por este momento belo.
Um beijo.